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terça-feira, 20 de maio de 2014

QUEM TEM MEDO DA INTERNET?

    

     Muito se tem se falado sobre a solidão causada pela internet, sobre a espetacularização da vida através das vitrines das redes sociais, sobre a banalização da informação, sobre a enxurrada de estímulos que a internet oferece. Mas o que tem se falado na Academia com relação as experiências inéditas e preciosas que a WEB tem possibilitado? No que diz respeito a psicologia, encontrei poucos textos onde fosse abordada a face positiva da conexão, a grande maioria dos teóricos e pesquisadores parece negar ou ter pouco interesse nas benéfices dessa tecnologia. Por quê?

    Essa pergunta atrevida nos leva a questionar a própria formação em psicologia. Direcionada fundamentalmente aos aspectos individuais, inconscientes e psicodinâmicos, a psicologia pode negligenciar o contexto social com suas relações marcadas pela complexidade e interdependência.

     No aspecto individual a internet pode facilmente ser avaliada como o vilão maior. Cabe lembrar que a internet não inventou a solidão e em outras épocas esta também fora muito cultivada. O espírito da época nos incute valores que muitas vezes necessitam maiores reflexões. Não há como negar os casos de adicção e dependência à virtualidade que a internet convida, mas quais são os outros convites feitos pela WEB? Se as ciências humanas não interrogarem a si mesmas, correm o risco de se entregar a poeira e causar alergia as novas gerações e futuros pensadores.

     A internet permite hoje um acesso amplo e abrangente ao conhecimento, nunca antes visto na humanidade. Além do acesso, estimula o protagonismo na cultura e nos saberes, onde vídeos, textos, poesias, notícias e tudo o mais podem ser criados e compartilhados por sujeitos anônimos. Graças a conexão os grande produtores da cultura e bens de massa são constantemente obrigados a rever suas práticas e discursos. A voz de qualquer pessoa pode, hoje, ecoar pelo mundo. A crítica e a opinião, podem se dirigir igualmente a qualquer objeto e exigir resposta. Frente as injustiças e arbitrariedades sociais, a ferramenta da internet já propiciou grandes agitações e encontros de mudança e renovação. As consequências dessa nova era do conhecimento para a dinâmica do sujeito contemporâneo não poderia passar desapercebida em suas nuances evolucionárias. O empoderamento, a autoria, a conexão com diferentes realidades e acesso menos monetarizado aos bens palpáveis e não palpáveis caracterizam uma redemocratização sem precedentes.

     A rede podendo coletivizar as experiências, unir em ideal e ação e empoderar os sujeitos, assusta a quem quer manter o poderio do saber, do “sujeito suposto saber” inatingível na colina impenetrável da Academia, ou da fama. Se antes apenas as grandes mídias faziam a pauta das notícias e comentários populares, hoje os memes disputam a mesma atenção, muitas vezes obrigando os meios mais antigos a repensarem ou adaptarem seus temas comuns. Enfim, a internet põe em jogo o instituído e o poderio vigente, tendo um enorme poder instituinte.

     Conhecemos os problemas que envolvem a WEB, mas frente a eles devemos nos perguntar desprovidos de medo: Qual a internet que queremos? A ideia de cultura livre, o creative commons, o Flok no equador, o WikiLeaks, Meu Rio, Avaaz, e tantos outros, já desvelam a revolução que presenciamos lentamente no cenário global e apontam os caminhos que precisamos percorrer no futuro de nossas pequenas utopias.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

SOBRE A CULTURA DO ÓDIO

      Podemos perceber na internet a propagação de ideias de cunho discriminatório e violento em relação a certas classes e segmentos sociais. Longe de ser uma novidade, a cultura do ódio se caracteriza por uma negação radical da diferença e da alteridade. O pobre, o negro, o homessexual e até a mulher costumam ser os alvos preferidos do "haters".
         Caetano explica "(...) porque Narciso acha feio o que não é espelho" e de cara já podemos refletir sobre o estranhamento no encontro com o outro. O outro é tudo aquilo qual não pertenço, não conheço e não me aproximo, é o campo do desconhecido.
      Numa sociedade em que o narcisismo e a estetização do eu são práticas comuns e amplamente estimuladas, onde encontramos parâmetros claros e restritos do ideal comportamento e sociabilidade, o campo da diferença pode ganhar ares sombrios, alvo de projeções de tudo o que é mau, feio e incorreto.
  Podemos dizer, que hoje, sofremos uma grande pressão homogeneizadora, onde as subjetividades se podam à serviço do capital e devem escolher entre pacotes pré-prontos de estar no mundo. Encontrar os menus é fácil: hipster, nerd, mãe, religioso, entre outros. Qualquer matiz diferente ou pequena subversão já provoca o olhar inquisitor. Pense nas grávidas tatuadas, nos idosos que fazem sexo, nos nerds religiosos, nos casais gay que tem filhos. Imagine agora as possíveis reações ao encontro de um outro que optou pela mais radical singularidade, uma forma totalmente nova de ser e estar em cada espaço-papel.
      Os novos feudos, os shoppings, a TV, as grandes empresas e em alguns momentos a própria internet ditam as regras do como ser, como vestir, como andar, o que comer, como ser chic (vide Glória Khalil) e tantas outras normas disfarçadas de moda. Por que norma? Pois o desvio do padrão pode provocar o ódio e o desprezo dos demais.
      A escolha de qualquer forma pronta de ser equivale a alienação do próprio desejo e da própria conjuntura social em que vivemos. A consequência é a intolerância impensada dirigida aos agentes das pequenas forças que rompem as grades engessadas das exigências sociais e ameaçam nossa forma frágil (porque não conectada com a realidade do desejo), adaptada e imóvel de estar no mundo. Afinal, o que seria da sociedade como a conhecemos se todos agissem conforme seus impetos mais singulares? Trabalharíamos 8 horas para gerar um lucro que não nos beneficia? Passaríamos 4 horas no trânsito urbano? Consumir realmente seria uma opção para a realização pessoal? Superar o outro bastaria como parâmetro de sucesso?
       O ódio poderia surgir exatamente pela ameaça a esse eu fraco e opaco, tão pouco pautado no desejo e numa reflexão singular sobre o mundo e a vida. Podemos lembrar também dos estudos sobre comportamento coletivo onde é apontado um determinado padrão: o ódio de um grupo dirigido a outro aumentaria o sentimento de coesão e indentidade grupal do grupo opressor. O que poderia indicar o uso das normatizações a serviço da manutenção do status quo social.
      Talvez nos falte entender que as pequenas rupturas não são o início de um colapso social, mas o começo de um novo tempo, em que a diversidade, o compartilhamento e a solidariedade nos tornarão mais ricos de alma, mais felizes do sexo e no amor, mais livres na mente e mais inteiros no agir.


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terça-feira, 12 de novembro de 2013

A QUEM SERVE A ARTE?



                        A arte, insofismável valor humano, sofre mutações, resgates e ressignificações ao longo da história. Estas transformações antes de meras tendências estéticas, desvelam o “espírito da época”. O contexto social, religioso, econômico e político encontram-se representados na arte, mesmo que delineando um posicionamento contrário as suas forças hegemônicas, como o movimento da Contracultura, que rompendo com as formatações de sua época, acabou por desnudar a impossibilidade de uma “acultura”, ao passo que representou um desejo coletivo de quebra. A arte acaba por metaforizar os diferentes atores e discursos do contexto histórico presente.
Adbusters

A atualidade marcada por arranjos submetidos ao poder das grandes corporações, assiste a uma transformação das relações, hoje mais que nunca recortadas pelas relações de consumo. A arte, como toda produção humana, não poderia manter-se ilesa a este processo.

Pintura de Paul Kuczynski

Se no ideário de muitos a arte deveria servir ao entretenimento, ou mesmo a fuga dos problemas cotidianos, cabe aqui a pergunta: Existiria arte sem política? Ou, a arte pode ser amputada de sua faceta política? Se a estas questões supomos uma resposta afirmativa, corremos o risco de nos alienarmos ao discurso que muitas vezes sustenta determinadas formas de produção “artística”, pois até a produção que favorece uma “despolitização” ou um “desengajamento” social, já é por si só política pela ação de exercer algum controle sobre os ideais e os conceitos de mundo das coletividades, retirando-lhes uma possibilidade de “empoderamento”.Se a arte parece mais preocupada com o espetáculo, com a decoração e o entretenimento fácil e vazio, corre o risco servir a despolitização e ao controle.  A produção artística pode servir tanto a resistência singularizante de comunidades que reafirmam sua identidade autoral, quanto ao mercado. Podemos notar a grande procura de estímulos fáceis e novidades inebriantes, onde a arte ganha status de bem de consumo. As marcas procuram cada vez mais associar seus emblemas a produtos-arte e o novo consumidor acredita estar agregando valor a sua imagem pública. Poderíamos dizer que este processo favorece a popularização da arte, o que seria positivo, no entanto o que observamos é a banalização de uma imagética cada vez mais saturada e vazia, que se poderia servir a reflexão ou ao “empoderamento”, acaba por favorecer mais um consumo de símbolos desprovido de sentido.

Grafite de Banksy, do projeto "Better Out Than In"

       Hoje, até as cidades parecem estar à venda, cada vez mais adaptadas e enfeitadas aos visitantes, com grandes eventos esportivos e culturais que muitas vezes não apresentam nenhum impacto sobre os reais problemas da cidade. A participação dos sujeitos sobre estas grandes estruturas efêmeras é fugaz, pois o projeto cidade-espetáculo não favorece a criação de vínculos significativos na comunidade e no espaço-histórico. Não sem motivo assistimos a isso, a cidade-espetáculo serve ao capital, não a comunidade, assim como certas modalidades de arte, retiram do sujeito oportunidade de refletir, compreender e criticar formas de vida. Em outras palavras, a arte pode acabar por servir como “aparelho ideológico” do estado, como afirma Bourdieu, e mesmo das grandes corporações.Encontramos muitas vezes uma barreira ideológica que tenta retirar dos pobres, suburbanos, loucos e outros a possibilidade de fazer arte. Como se para criar ou refletir arte precisássemos do aval da academia. A academia não criou a arte, apesar de tentar levar para si os créditos da genialidade de alguns. Se a arte tem um dono, esse dono é o povo, a multiplicidade criativa está cada vez mais rara nos domínios que excluem a diferença como valor fundamental.

         A ideia de capital cultural precisa ser flexibilizada afim de atender a arte produzida pelas minorias, nos guetos, favelas, nos hospitais. A arte que serve a pessoa, aos grupos, pode ser aquela mais simples e despretensiosa, que vai resgatar os discursos dos esquecidos e resistir a massificação das subjetividades, fazendo repensar papéis sociais, possibilidades de vida, questões de gênero, ou qualquer outra reflexão que estimule autoria e não a compra de modelos de vida pré-prontos. Podemos citar muitos focos de resistência, como a batalha de passinho, o Museu de Imagens do Inconsciente, as Universidades Populares, Ler é Abraçar, Banksy, o Tá na Rua e muitos e muitos outros...Deixo uma pergunta ao leitor: Qual arte merece sua atenção?

Fotografia de JR

segunda-feira, 27 de maio de 2013

COMO OUVIR O INVISÍVEL?


                    Atualmente, vivemos um importante problema: A crescente escassez da escuta. É notável a reclamação generalizada, são muitos os que não se sentem ouvidos. Na reunião de trabalho, no ônibus, no almoço, na família, no debate, no protesto, a fala perde-se, se dissipa. Onde jaz o destino da palavra? Talvez a resposta esteja no seu avesso. Para ouvirmos o falante, precisamos silenciar a nós mesmos. A palavra só encontra seu destino no silêncio. Para cada sujeito ignorado encontramos um outro falante, uma alteridade que também não quer abrir mão de sua expressão, da verbalização de seus pensamentos, que não quer silenciar-se, que em suma não pode transitar do espaço do ator (o palco) para a plateia.

             Podemos dizer, que para a construção da subjetividade, precisamos do outro, sua imagem, seu olhar, sua fala e sua audição. Não há indivíduo sem sociedade, pessoa sem relação, toda divisão precisa ser superada. Pensando nisso questionamos: Com uma plateia vazia como formar bons atores? Em outras palavras, num território onde todos querem representar seus próprios egos, expressar-se em demasia, sem dar lugar ao outro, é possível uma subjetividade sadia?

            Coadunamos com uma sociedade que dá importância exagerada à extroversão, à fala e a auto expressão. O Eu é demasiadamente glorificado, vivemos em profusão de estímulos, exuberância e exagero. O entorpecimento das nossas sensações em alta inflação do Ego está em detrimento do Outro empobrecido, cada vez menos investido do capital da escuta. Ficamos anestesiados para a experiência da alteridade.

            Tudo isto se agrava quando falamos das “minorias”, das parcelas historicamente ignoradas e caladas à força, pelo dito do “mais forte”. Mulheres, índios, pobres, criminosos, velhos, negros, latinos, homossexuais, analfabetos, interioranos, crianças, suburbanos, loucos e muitos outros. Dar voz a eles significa abrir espaço, dar lugar, colaborar para a emersão de subjetividades da amálgama do esquecimento. É promover vitalidade psíquica e social, é poder inventar novas relações e assim criar uma nova cidade. Esta é a escuta do invisível, é a escuta engajada, aquela que cria novos atores, ativos sociais. Estes novos falantes inevitavelmente irão nos surpreender com seu olhar sobre o mundo, possibilitando a ressignificação por todos os ouvintes, que mais cedo ou mais tarde, poderão abrir mão de suas ideias massificadas e massificadoras, abrir mão da imposição de saberes, práticas e pontos de vista.

            A escuta engajada é passo essencial para assumirmos como cultura toda produção popular e abolirmos a ideia de que a beleza e a criatividade estão apenas nas mãos da academia, da elite, das nações mais ricas, das galerias de arte e dos críticos. Precisamos lembrar que a arte é a quebra da massificação, se insípida não cumpre seu papel.

             A arte e a escuta engajada, por suas afinidades, podem ter muitos encontros e todos eles desvelam nossa díade ouvinte-falante. Eu mesma me aventurei numa dessas experiências ao resolver gravar vídeos da minha avó, contando suas histórias, dando conselhos e etc. É incrível o que pode acontecer quando damos voz às pessoas, especialmente as menos ouvidas, recomendo a todos replicar essa ideia ou inventar novas formas de escuta engajada. Todos nós conhecemos o bem estar provocado pelo acolhimento da escuta, mas poucos, a preciosidade de ser o destino de histórias, memórias e afetos, lançando luz sobre os atores, celebrando a aplaudindo os protagonistas esquecidos.



quarta-feira, 15 de maio de 2013

A IMPORTÂNCIA DA FEIRA COMO ESPAÇO COLETIVO


     A feira de rua, reconhecido espaço de compra e venda de produtos variados, possui uma dimensão simbólica muitas vezes ignorada: a de convergência social. O termo "feira", deriva do latim feria, que pode significar "dia festivo", "dia santo", ou mesmo "dia livre". Na Antiguidade e Idade Média as feiras se mantinham como lugar de troca de produtos, estando presentes mercadores locais e estrangeiros, em livre circulação. Pra sermos mais exatos, as feiras eram verdadeiros espaços de comunicação e troca, em muitas, ocidentais e orientais podiam obter aquilo que sua terra não poderia oferecer, um festejo de diversidade!   Durante a Idade Média guerras se interrompiam pela manutenção da instituição feira. 

     Hoje, nossa ideia de feira está ainda mais ampliada, podemos falar em feiras nacionais e internacionais, feiras de negócios, feiras de jogos, feiras de estágio, feiras de barcos, carros... Uma infinidade de possibilidades, mas vamos nos ater a nossa herança mais genuína da antiga feira, a feira de rua, onde há livre circulação, saída e entrada de representantes de quaisquer segmentos sociais, prontos a negociar, barganhar, e por que não encontrar um vizinho, conversar sobre a qualidade e os preços das verduras com quem está ao lado, tocar as frutas, sentir o cheiro de peixe e comer pastel. Tudo isso pode parecer muito banal, mas o que podemos observar é um esvaziamento dos espaços coletivos, propiciadores de encontro comunitário, que fazem parte da nossa formação cidadã. Ainda encontramos espaços democráticos, mas em número cada vez mais reduzido e a decrescente quantidade de feiras na cidade é um bom marcador desse fenômeno. A feira funciona horizontalmente, quero dizer, a diferença é entendida de forma qualitativa e não como justificativa para a segregação quantitativa entre maiores e menores, ricos e pobres, na feira todos tem o que dar e receber, mesmo que em produto imaterial, como os "saltimbancos" e artistas de rua, engraxates e carregadores de sacola.                  

     Talvez não possamos hoje prever com exatidão as consequências de vivermos num território partido, onde os condomínios se tornam cada vez mais autossuficientes, aproximando-se dos feudos, onde a população não conhece sua própria cidade, seja por medo do lugar-rua criminalizado, seja por falta de acesso à lugares que presumem valores para entrada, tanto financeiro, quanto o acesso a própria divulgação do mesmo. O sentido de coletividade parece muitas vezes estar perdido nessa cidade de egos sedentos por agregar a si valoração. Vale aqui a reflexão: Que espaços precisam ser circulados para termos a cidade/cidadania que desejamos? Espaços-espelho? Onde só encontramos o que há de belo, à nossa imagem e semelhança? Ou espaços afirmativos da diferença? Do encontro com a alteridade? São estes últimos que abrem caminho para a convivência não apenas tolerante, mas possivelmente harmônica se marcada pelo diálogo, pela troca.

     Dessa forma, a feira de rua pode ser reconhecida até hoje como espaço privilegiado de circulação de discursos, promotora de novos encontros e ideias. Um verdadeiro espaço plural para novas singularizações. A não ocupação dos espaços como a feira pode significar a massificação, a pasteurização das formas de vida, que se mantém no status quo por não experimentar o sabor da diferença, por não se deixar arejar pelo encontro, por não se permitir caminhar pelo desconhecido.